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quarta-feira, 31 de outubro de 2007

É o bonde do terror, abalando em Berlim!



Queria agradecer especialmente à amiga do Bash, surrealmente ausente no dia, pela festa de arromba. Depois de dois engradados de cerva alemã, uma crew mezzo english, mezzo deutsch e mezzo brasuca (Valeu Michelle!!!!) ainda saiu à cata de apavoramento na Cassiopeia.

Adoooooro!

MC Suave & MC Pedrero

Semana passada, de bobeira, um amigo me liga e pede pra eu cantar umas coisas, que ele quer gravar minha voz e tal. Entusiasmada, ofereço não só o gogó como também umas letras. Fiz oito numa noite. A gente se reúne, troca idéias, saíram umas coisas bacanas, que eu mostro mais pra frente, se ficar direitinho. Agora ontem, eu e meu titião-irmão, de bobeira pelo MSN. Comédia! É como eu digo, pra rimar é só começar. E solta o pancadão, DJ!


Fabianno diz:

"aparece na quebrada exibindo seu oitao

se liga comedia to com meu ak na mao

Fabianno diz:

"iraque e fichinha

o rio ta decadente

agora a quebrada e no entorno minha gente

Fabianno diz:

tem merla, baseado, po e o caraio

se liga preiboi pra nao ser seuqestrado

Fabianno diz:

to querendo mete a pica

Fabianno diz:

uhauahuahauhauhauhauha

Fabianno diz:

se tu tive marido tenho prazer de matar

Fabianno diz:

so eu te satisfaço disso tu vai gosta

Fabianno diz:

so bandido bicho solto

Fabianno diz:

e nao quero nem saber

Suave diz:

aff!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Fabianno diz:

uahuahuhauhauahuahuah

Fabianno diz:

pedrero

Suave diz:

huahuahuauhua!

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Ônibus errado, noite bizarra

Saí de casa ainda de tarde, sem saber o que me esperava.

Dia de cinema mais barato, aproveitei pra ver logo dois filmes de uma vez. A última sessão acabou depois da 1h, metrô já fechado e eu tive que correr mais que fugitivo de presídio pra pegar o baú noturno. O motorista, gente-boa, liberou minha passagem e eu sentei, ainda ofegante horrores. Quando dou por mim, estou indo pros lados da puta-que-pariu, totalmente na direção errada. Peguei o baú no sentido contrário, desci no meio do caminho e subi andando toda a Veteranenstrasse e a Kastanienallee, pra chegar na parada do bonde que me deixaria na porta de casa.

Na parada, já 2h da matina, vejo que meu bonde só chega em meia hora. Vi uma baladinha de reggae ali por perto e resolvi dar uma olhada. Cheguei falando inglês e a hostess, simpática, me perguntou de onde eu era e se eu conhecia baile funk. Entrei, senti a vibe e resolvi deixar a noite me levar.

Arrumei mota rapidinho, com uns meninos de Gâmbia, que falam um inglês dificílimo! Claro que, tendo saído de casa ainda de tarde, eu não estava assim, digamos, muito gata. Mas a música estava boa e, eu, já em transe, embarquei numas viagens necessárias, divagando sobre minha capacidade de prever acontecimentos... mal sabia eu!

Estou lá sentada, na minha, esquivando-me de uns comédias e bebendo minha cerveja, quando vejo bem na minha reta um menino beeem meu número. Perfil marcante, barriguinha sexy, sozinho, dançando bem bonitinho. Pensei na hora que, ali, pra mim, ele era o cara, e que a gente ia acabar se conhecendo. Foi como receber um facho de informação, assim, diretamente, do nada.

Não deu outra. Fiz meus moves pra ir chegando perto dele, e ele fez a mesma coisa. Mesmo baranga, eu dava tudo de mim dançando. Vi um grupo de meninas novinhas, bonitas, dançando lá na frente, que me fizeram lembrar de mim mesma, em idade mais tenra. Jogadas, divertidas, dançando se medo de ser sexy, batendo com os copos nas mesas quando rolava algum sucesso, e tirando de tempo os caras mais sem noção. Claro que essas figuras ótemas ficaram até o fim da festa, assim como eu.

Fui deixando as coisas fluírem. Sabia que eu e o bofinho ainda íamos nos cruzar, naturalmente por iniciativa minha, já que eles aqui são mais oldschool, ficam naquela de cercar, dando voltas. Pedi um cigarro pra ele e pra outro cara, que também já tava na marca do pênalti... nessa tromba em mim o Brother Culture, um figura de Londres que tocou ano passado em Brasólia. Perguntou se eu queria beber algo –óvibio! - e eu me lembrei dele. Trocamos altas idéias, ele me contou dos filhos de não sei que figura bíblica com Raquel, nascidos em fevereiro e março, ou seja, piscianos, como nós dois. Foi realmente uma onda encontrar com o cara aqui em Berlim, numa noite totalmente espontânea. Um barato, já um senhor rasta, falando com sotaque britânico... reclamamos da sem-gracice germânica, contou que adorou os shows no Brasil no ano passado e que volta pra lá em novembro, ahaza bi! Ainda me convidou pra um estica no apê mega do ciccerone dele, mas necessário aqui mencionar que a falta dos dentes da frente não deixa ninguém mais atraente.

Numa noite com tantas figurinhas carimbadas, quem me faltava encontrar? Um muçulmano! Pedi um cigarro e perguntei de onde ele era. Ele explicou o lugar com uma sigla, que deve ser a da missão da ONU por lá. Do Sudão, o cara! Falei de Darfur só pra confirmar o lugar. Super-humilde, ofereci cerveja, mamãe, e ele, todo obediente, dizendo que a religião dele não permite. Contando parece até piada, mas o cara era um maometano praticante curtindo reggae com todas as forças!

Quando dou por mim, quem veio dançar por perto... o bofe-astral. De final, mesmo, porque até a chapelaria tinha fechado! Àquela altura, eu já entendia o bartender falar alemão com sotaque francês, e , quando vi meu deuso dançando break naquele modelo, resolvi chegar mais.

Claro que, de detalhes, sei muito pouco. Não conseguia mais disfaçar meu alemão e misturava tudo. Nome? Risos, não sei até agora se ele era gráfico ou grafiteiro. O estado ébrio de ambos gerou certa química, mas aonde fomos parar...

Eu podia jurar que o menino era um grafiteiro francês vivendo em Berlim, creio que bolei um personagem. Entendi que íamos pra casa de uns amigos dele, entramos num prédio e ficamos nos pegando nas portas dos apartamentos. Eu jurando que aquilo era preliminar, achava a todo minuto que a gente ia entrar em alguma casa... e nada.

Foi uma suruba extraordinária sabe-se lá a que horas na rua, em portas alheias. Tentamos de tudo, deitados, eu por cima dele, de ladinho... no auge da insanidade vejo passar meu bonde na rua, subimos sem nem saber pra onde íamos. Resolvi trazer o bofe pra casa. Já tinha criança indo pra escola, ainda no escuro, o que me fez lembrar sem nenhuma saudade do meu tempo de intercâmbio na Holanda. Claro que, quando chegamos em casa, apagamos.

Ao acordar de manhã vi monte de sangue, nas nossas roupas, nos nossos tênis, cinto dele, casacos... e não, eu não era a causadora daquilo! Ainda fico tentando me lembrar se fomos parar bem em cima de um despacho satânico, mas estava tudo tão escuro...

Deu meio-dia, ele ainda roncando... Levantei para ir ao banheiro e nessa o moço acorda no susto, dizendo tinha que ir trampar às 9h! Pelo jeito que levantou, nem devia calcular o tamanho da loucura da noite anterior. O cara simplesmente perdeu o celular, o casaco e talvez o emprego! Depois dessa ainda dei graças ao perceber que havia perdido só meus brincos-Elza da H&M. E tudo por conta de um ônibus errado...

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Por que ver "Do outro lado", de Fatih Akin

O multiculturalismo é o argumento primordial do cineasta turco-alemão Fatih Akin. Claro que, por haver vivido alguns anos na Alemanha, a temática da imigração turca no pais é muito familiar para mim. Ainda que sejamos muito diferentes culturalmente, o que nos aproxima é justamente a experiência de ser estrangeiro, de viver em uma sociedade a qual você observa de fora, e na qual é percebido com alguma distância. Fiquei em estado de choque quando assisti „Contra a parede“, há dois anos. Apesar de ser ficção, a história é muito real e humana, trata de amor, de solidão, encontros e desencontros de maneira crua, direta e sem maquiagem, seguindo a densa estética do diretor.

Akin tem engatilhada uma trilogia que abarca o amor – tema de „Contra a parede“ - , a morte e o diabo. „Do outro lado“, recém-lançado na Alemanha e apresentado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é a segunda parte do projeto.

Ali, turco há anos radicado na Alemanha conhece Yeter, uma prostituta, também de origem turca. Já idoso, e há anos viúvo, ele propõe a ela viverem juntos. Ele tem um filho, Nejat, nascido na Alemanha e professor universitário, que a princípio vê com desconfiança a união do pai com uma prostituta, mas que acaba afeiçoando-se a ela ao saber que ela sustenta uma filha, Aytan, já adulta, na Turquia.

Yeter morre sem saber que sua filha estava sendo perseguida politicamente em seu país, e que, por essa razão, acabou chegando ilegalmente à Alemanha. Enquanto isso, Nejat viaja à Turquia para tentar encontrar a moça, com o intuito de seguir financiando seus estudos.

Em Hamburgo, Aytan conhece Lotte, uma alemã que vai fazer de tudo para ajudá-la a obter asilo político, e sua mãe, que acompanha, apreensiva, a forte amizade entre as duas.

Após um ano na Alemanha, Aytan tem seu pedido de asilo negado, e é mandada de volta para a Turquia, onde será presa. Lotte viaja então até a Turquia para tentar ajudar a amiga, mas acaba morrendo num acidente. O resto do filme desenvolve-se a partir das mortes das duas mulheres, que, longe de significarem o fim, funcionam como mola impulsora para atitudes de amor, de aceitação e de respeito entre pessoas de diferentes culturas.

O filme tem um roteiro excelente, bem-amarrado, de autoria do próprio Akin, e foi premiado em Cannes este ano. Uma história sobre as conseqüências da perda e da morte na vida de seis pessoas, em que nada ocorre por acaso; mas, paradoxalmente, é justamente o acaso quem as aproxima, e também, as consola, abrindo-lhes novos caminhos de vida.

Kapoor rocks!







Essas são fotos da exposição „Svayambh“, de Anish Kapoor, atualmente apresentada em Munique.
O artista anglo-indiano teve sua primeira exibição no Brasil em 2006, pelos CCBBs do país, muito bem visitada e repercutida. Aproveitei a "intimidade" com Kapoor e fui conferir novos trabalhos do artista, que demonstra apreço por proporções gigantescas, mas cria obras leves e lúdicas, que nos fazem pensar na importância da matéria para a compreensão do imaterial. Uma diversão só passear por entre as obras, todo mundo vira um pouco criança diante das provocações do artista.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Graffti na Muffathalle






Lindo dia hoje, sem nuvens, céu azulzinho... saí pra correr de top, peguei até uma corzinha!

Às margens do rio Isar, que corta Munique, muita gente com seus cachorros, crianças, lendo, namorando, tomando sol de biquíni... bacana ver as pessoas aproveitando o comecinho do outono, quando as cores são mais intensas (laranja, vermelho, amarelo, o chão tomado de folhas), e ainda faz um tempo superagradável de dia.

Por coincidência esbarrei em uns graffitis feitos pelos brasileiros Os Gêmeos e nina, junto com dois outros artisitas daqui e da Austrália, "indecifrável" e Shine. Tirei umas fotos do trampo, que como quase tudo que se vê por aqui, é de primeiríssima classe. Suponho que tenha sido feito à época da Copa do Mundo de 2006.

sábado, 13 de outubro de 2007

Munique, outono 07




sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Bavária não desce

Se podemos falar em um "oásis de prosperidade" em se tratando de Alemanha, esse lugar é Munique, a bela capital da Bavária, ao sul do país.

A cidade é a terra natal daquele estereótipo de alemão de Oktoberfest, e nem podia ser diferente, pois a festa acontece anualmente há mais de dois séculos na cidade. Este ano cheguei aqui no primeiro dia do evento, um sábado ensolarado de setembro, e as todas as pessoas na rua pareciam vestidas especialmente para a ocasião: homens de bermudinha de couro em tons de marrom ou caramelo, camisas cheias de frufrus e chapéus de feltro pontudos (meio duendes, meio Sassá Mutema); mulheres de vestido de avental longo ou curto, decotes generosos e cabelos trançados, quase sempre louríssimos. Se pareceu familiar, no Brasil essas fantasias têm nome e atendem por "tirolês" e "tirolesa", ou "alemão" e "alemã", para ficar mais fácil identificar.

A cidade fica literalmente embriagada durante três semanas. Nem é pra menos. Seis milhões de pessoas passam por ano pelos Campos de Teresa (Theresienwiese), nome do parque onde ocorre a festa. Muitos italianos, americanos, japoneses, além dos próprios locais, vêm todos os anos para Munique beber até cair. É engraçado entrar num vagão de metrô, num banheiro ou numa cabine telefônica, e sentir o bafo de cerveja no ar. A quantidade de álcool consumida é enorme, considerando-se que cada copo de cerveja vendido na festa tem um litro. E, embalada, juro que não é difícil beber três deles...

A estação central de trens, ponto crucial da excelente malha de transportes da cidade, é invadida por milhares de turistas de todas as partes, mochileiros desavisados que não têm dinheiro para pagar as absurdas diárias dos dias de festa, grupos de jovens e nem tão jovens que andam pra lá e pra cá com as inseparáveis cervejas na mão e cantando bem alto, tentando fazer graça para a primeira pessoa que der brecha. Munique e seus habitantes, tão sisudos, formais e ordeiros, transformam-se por três semanas, convertendo-se numa manguaceira só.

Interessante voltar à cidade, depois de sete anos. Aqui desembarquei pela primeira vez em 2000, e me desiludi profundamente com o conservadorismo bávaro. Para quem conhece o país e já passou por cidades como Berlim, Hamburgo ou Colônia, Munique destaca-se pela riqueza e caretice. As ruas são limpíssimas. Os carros, os mais modernos de toda a Alemanha (a BMW nasceu aqui). Os cafés e restaurantes são caríssimos - barzinhos não há! -, as boates da moda encontram-se todas nas ruas mais caras da cidade. As pessoas estão sempre impecavelmente vestidas, penteadas e bronzeadas, como se tivessem acabado de voltar das férias na Itália. Os programas culturais são quase sempre eruditos ou típicamente bávaros. Quase nada aqui é alternativo, underground, subversivo. E tudo é chique, caro e exclusivo.

Como estrangeira e membro ativo da tchurma alternativa, cidades como Berlim e Colônia têm atmosferas muito mais interessantes a oferecer. Muito mais multiculturalismo, uma certa decadência, informação, cena underground, desemprego, problemas globalizados, gente que protesta nas ruas... muito mais vida, enfim. Parecem-se mais com o mundo de carne e osso, no qual eu, latina-americana, cresci e me criei. Sei que estamos falando da Europa - aliás, do país mais rico do continente. Mas, em outras partes, há um proletariado muito mais atuante (o de Munique parece invisível), bêbados perambulando pelas ruas com seus inseparáveis cães, calçadas desniveladas, edifícios a ponto de ruir, carros com licenças para circular vencidas, diversão a preços terrenos, döner kebab a 1 euro, gente vestida de todas as formas, mais aberta, mais tolerante, mais ecológica, menos religiosa e menos direitista. Mais real. Munique parece uma cidade de brinquedo, com toda sua perfeição de fachada.

Desde o tempo das duas Alemanhas, Munique sempre teve muito mais potencial turístico que outras cidades. Assim, a imagem do país acabou ficando fortemente atrelada a Oktoberfest, cerveja, tiroleses e joelho de porco. Mas o país é muito distinto em suas regiões, e admito ter uma certa predileção pelo norte, protestante, politicamente liberal, declaradamente ranzinza, onde come-se pão com peixe, a cerveja é mais leve e mais barata, e as pessoas são mais gente-boa.

Calma, calma! Não pretendo desanimar ninguém a vir conhecer a cidade, que é inegavelmente linda, bem-cuidada, bacaníssima em muitos aspectos. Só acho que, cá entre nós, falta um certo borogodó a Munique... A cidade é perfeita, tudo funciona em ordem, não há máculas. Como mero visitante, não há como não se surpreender com sua beleza, a hospitalidade superficial dos que trabalham no turismo e a organização do cotidiano. Mas, num prazo mais longo, entedia quem espera vivenciar na Alemanha um pouco mais de diversidade, tolerância, idéias alternativas e uma realidade social mais em sintonia com o mundo globalizado.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Reggaeton para quadris e cérebros

Calle 13 foi uma das melhores descobertas da Viagem. Com esse nome levemente cafona e outros tantos grupos latinos que entram e saem de moda sem a gente nem perceber (principalmente sendo brasileira e com pouco acesso ao maravilhoso mundo da música hispânica), nunca poderia imaginar o que havia por trás. Uma dupla de meio-irmãos metidos a artistas que, sob o amplo rótulo de reggaeton, fazem as melhores experimentações musicais da América Latina atual. Residente e Visitante são porto-riquenhos, criados na ilha e cantam num espanhol típico de lá, trocando erres pelos eles e com muitas expressões em inglês.

O vocalista é Residente, que, além de ter formação em artes, mestrado em cinema, e ser um G.O.S.T.O.S.O., ainda é o letrista mais sensacional dos últimos tempos. Visitante, que tem formação em piano e domina outros instrumentos, é responsável pela parte musical. Diz procurar, antes de mais nada, experimentar, „tripear“ (= trip) com ritmos que muitas vezes „nem são considerados música“, como o próprio reggaeton e a cumbia. O leque de misturas do Calle 13 é bem amplo, abrangendo salsa, samba, bachata, vallenato, reggae, hip hop, rock, tango, música árabe, flamenco e mais loucuras.

Fui gostando aos poucos da banda, já que sempre os escutava em festas ou pelas ruas da Venezuela e da Colômbia. Têm um som agradável, desses que grudam sem melar na lembrança, bem reggaeton, mas com leves influências de coisas variadas. Lembra Manu Chao no sentido de ser uma levada assim, plural, que transita harmonicamente por vários tipos de ritmo. Percebe-se logo de cara que não são um grupinho de reggaeton qualquer, desses que abundam como praga pelo Caribe. Os caras têm informação musical, bagagem cultural, não só por conta das experimentações, mas também por causa das letras. Residente é engraçado, debochado e ácido em suas viagens pela urbanidade, num mundo globalizado e multicultural. Trata de temas totalmente díspares de uma forma coesa, conta realmente uma história a cada canção. Epopéias sem pé nem cabeça, inspirações vindas de um cotidiano óbvio de tão absurdo. Fala de amor de um jeito poético, sem ser necessariamente romântico. Usa metáforas que despertam a curiosidade de quem ouve, que quer saber "de onde esse cara foi tirar essas rimas tão criativas". É politicamente incorreto ao extremo, não tem medo de dizer, por exemplo, que palestinos explodem. Sabe rimar sobre sexo de uma maneira suja e muito inteligente, baixaria hardcore de primeira qualidade. Tem o dom do flow e suponho que mande muito bem no freestyle. Perdi por um dia o show deles em Buenos Aires, teria valido a pena trocar a passagem para vê-los ao vivo...

Nunca fui muito de prestar atenção em letras, em qualquer idioma; parece que me tiram a concentração do que mais gosto de fazer, que é justamente dançar ao som das músicas. Com o Calle 13 é diferente, preciso deixar de lado tudo o que estou fazendo para prestar atenção no que Residente diz. Morro de dar risada, invariavelmente. E não canso de me supreender com a sagacidade, o senso de humor, a genialidade, a inteligência dos caras.

O site da banda - www.lacalle13.com - é muito bem-feito, inna graffiti style (parece até que foi o mello quem bolou a parada). O álbum de fotos dos caras tem imagens da Ciudad Perdida, na Colômbia, que visitei em junho passado. Mágico o lugar, quase inabitado, esparsamente visitado, o que é um luxo, além dos índios coguis, leendos!, que te acompanham para cima e para baixo, ao longo do caminho...

Vale ler também a biografia, é mais precisa do que eu na descrição dos objetivos musicais-artísticos dos caras.



Vídeo de "Atrévete"

Vídeo de "Se vale to'"



Começando do começo

Escolhi 2007 para ser meu ano sabático. Saí do meu emprego, vendi o que tinha e resolvi passar o ano fora. Primeiro passei três meses no Rio de Janeiro, depois saí em viagem por Venezuela e Colômbia, abrindo e fechando a temporada América do Sul com Buenos Aires. Agora estou em escala obrigatória na Alemanha, e daqui pretendo seguir para Barcelona, España.

Assim que, agora em outubro, eu já em Zooropa, dou pontapé no projeto-resolução de ano-novo: algumas impressões do ano ainda engatinhando, depois textos da Viagem, e volto para onde estou agora. Divirta-se e volte sempre.



Pensamentos em urgência

Alicia cai belíssima nesse fim de tarde em bossa, em casa, cercada de coisas que amo, que venero e de que nada mais espero...

Ainda preciso digerir esse momento da mulher do meu tempo, do tempo ao qual pertenço e de quem sou cria entusiasmada.

Acho que atualmente vivemos uma época sem precedentes, com tantas possiblidades de cada um trilhar seu próprio caminho. Não digo objetivo, pois creio que o importante não é chegar a uma conclusão fechada e estática. Independente de gênero, cada um deve aprender e a olhar para si mesmo, e basta. Somos milhares de universos gravitando juntos, mas muito distintos entre si.

Adoro essa coisa de supersônica da mulher do meu tempo, da que consegue entender a importância da possibilidade que tem em mãos. De viver seu próprio caminho. Falo meio que embriagadamente sobre isso, pois às vezes nem eu mesma sei o que fazer com tanto poder em mãos. Adoro a vida que tenho, poder fazer minhas escolhas, ter minhas idéias, viajar, ir longe... acho a vida uma coisa fantástica, deliciosa, bela, poética mesmo.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Venezolanas






Antes de mais nada confesso que foi Hugo Chávez, aquela curiosa mistura de milico, populista-defensor dos pobres, dublê de apresentador de tevê e caricatura você-sabe-de-quem, o principal impulso para minha incursão à Venezuela. Primeiro, porque queria muito conhecer in loco um de nossos vizinhos atualmente mais influentes (e estridentes); e segundo, porque tinha um certo receio de que as coisas por lá ficassem ainda mais convulsionadas (esse é o tom, em todos os sentidos, para tratar de Venezuela). Se, algum dia, no futuro, a Venezuela venha a ser descrito como um país pacífico, eu gostaria muito de poder dizer que estive lá, por essa mesma época.

Andava tão ansiosa com a viagem que, dias antes de ir, já sonhava com o que eu queria encontrar: uma mescla racial parecida com a nossa, pessoas sorridentes e gentis, calor, belas paisagens, uma boa dose de pobreza, passeatas pró e contra o governo, salsa e merengue, muita rumba. Caracas na minha imaginação era alguma coisa entre São Paulo, Cidade do México e Lima, e confesso que tinha uma curiosidade positiva a respeito do homônimo de meu herói preferido.

Assim que desembarquei no imponente aeroporto de Caracas cometi meu primeiro "vacilo" (sim, eles usam o mesmo verbo, e em sentido coloquial como nós!): troquei meus dólares numa casa de câmbio. Até um vira-lata sabe que, na Venezuela, o negócio é recorrer ao mercado negro, que paga quase três vezes o que te dão oficialmente. Brasileira e, portanto, muito "esperta", só fui entender o que todos aqueles homens acenando com dólares queriam comigo quando cheguei ao hotel.

Nos meus primeiros dias em Caracas, cidade de arquitetura moderna e caótica, ainda não estava muito certa de que não havia ido parar em Cuba. Por todos os lados, aonde quer que fosse, havia propaganda. Chávez em poses heróicas, dramáticas, com aliados políticos, entregando obras, beijando criancinhas, liderando a revolução, vestido de guerrilheiro, em trajes de gala, momentos informais... Há inclusive o boneco "Chavecito", que parece mais um namorado da Barbie. Os slogans políticos são assim de sutis: "Socialismo o muerte!", "Rumbo al socialismo del siglo XXI", "Chávez hasta 2021"... Tive sérias dúvidas de que um governo que investe tão pesado em propaganda assim, massiva, possa realmente ser levado a sério.

A atenção venezuelana é (in)digna de nota. Impossível não perder a calma, principalmente nos primeiros dias, de reconhecimento do terreno. Ninguém te dá bola, trabalham como se fizessem um favor, conversam sem o menor pudor sobre assuntos íntimos e pessoais enquanto você simplesmente aguarda com cara de tacho. Entrei em lojas em que me ignoraram solenemente. Esperei dez minutos para comprar um maço de cigarros. Comparei preços ridiculamente díspares em um raio de cinco metros. Comprar ou não é uma escolha toda sua, ninguém tenta te influenciar, te seduzir. A lógica do comércio venezuelano é de "quanto pior, melhor". Basta ser um pouco mais rude que eles para que te entendam direitinho. Um pouco complicado, mas com o tempo você pega o jeito.

É preciso dizer que, por causa do tal socialismo, que prega abertamente a expulsão de empresas estrangeiras do país, faltam muitas mercadorias nas prateleiras. Comprar carne, só chegando às quatro da tarde de terça-feira ao supermercado. Alguns produtos, como queijo, não são encontrados durante meses. Chega a faltar cerveja em feriado, o que dispensa comentários. Montado em petróleo e blefando com a carta mais alta do baralho da economia atual, Chávez adora patrocinar países amigos, como a Bielorrússia, Bolívia, Cuba, Argentina... mas acaba ferrando seu próprio povo.

Muito da indignação popular traduz-se em protestos, que nesta era Chávez ocorrem semanalmente. Claro que, como tudo que abunda, já deixaram de ser novidade, mas continuam ocorrendo com freqüência. Há uma considerável parcela da população que não admite, entre vários retrocessos, o fim da propriedade privada, o fechamento de um canal de TV com mais de meio século de existência, ou a proibição do fio-dental nas praias, para ficarmos em exemplos totalmente distintos, mas igualmente absurdos. A oposição, na prática, não existe, já que boicotou as eleições de 2006, e perdeu representação em todas as esferas do poder. O que acontece é a sociedade fazendo barulho sem intermediários, expressando seu descontentamento por si só. Talvez pudéssemos aprender algo com isso, em vez de realizar inúmeras passeatas pela paz, cheias de celebridades-para-ver–na-Globo.

Intensos, eles. Não são assim, propriamente pacíficos, os venezuelanos. Falam alto, ignoram para inibir, xingam a torto e a direito, querem se impor a todo custo... perdi a conta de quantos casais vi estapeando-se na rua, de quantas discussões entre mulheres presenciei em banheiros, bêbados ameaçando-se mutuamente com garrafas partidas, crianças malcriadas que eu mesma chegava a repreender na frente das próprias mães... Entretanto, por baixo dessa casca grossa, sabem também ser doces, generosos e prestativos. Lembro-me de Nora, a porteira de uma pousada de película em que vivi por quase um mês. Quando cheguei, fez cara de tédio e explicou, muito rígida, as regras do lugar: pagar a diária com um dia de antecedência, trancar a porta da casa após as 23h, não levar visitantes... um belo dia falei mais alto, dei de ombros e deixei-a gritando com a parede. Quando cheguei, às cinco da manhã, encontrei-a enrolada numa mísera toalha, varrendo freneticamente o chão –era um hábito seu! -, muito simpática e perguntando-me se eu já queria tomar café! Depois dessa, viramos amigas de infância, retribuíamos mil gentilezas, ríamos juntas das últimas fofocas.

E, assim como os brasileiros, são loucos por praia. Mas, ao contrário de nós, não têm o menor pudor em pagar de farofeiros. Chegam bem cedo, em hordas enormes, trazendo consigo seus isopores lotados de cerveja e rum, comem de tudo que seja vendido na praia (mariscos são os hilários "rompe-colchones"), namoram despudoradamente, dançam, brigam, choram, vivem intensamente (e em especial) sob o sol... mas ao ir embora deixam tudo espalhado pela areia. Em alguns lugares, sequer há lixeiras. Em um país com tantas belezas naturais, chega a ser um crime, cometido com a ignorância mais inocente do mundo.

Pode esquecer o trânsito de São Paulo, Roma, ou qualquer lugar de doidos notórios ao volante. O de Caracas é, indiscutivelmente, o pior de todos! Como a Venezuela praticamente flutua sobre petróleo, a gasolina lá é a mais barata do mundo. Se com o equivalente a quatro reais dá pra encher um tanque, a lógica é a de que todo mundo tenha carro. E se todos saem às ruas motorizados, e ainda por cima inventando regras próprias de trânsito, imagine no que dá. O venezuelano comum não usa cinto de segurança, buzina como se tocasse bongô, bebe ao volante sem a menor cerimônia... E se anda em moto não sabe o que é capacete, nem mão e contramão, e ainda acha que na garupa pode levar até quatro pessoas (juro que vi!).

Agora, surreal mesmo, é viajar de ônibus pelo país. Não que as coisas não funcionem direitinho, pelo contrário, tudo segue dentro dos conformes, há inclusive check-in igualzinho aos de viagens aéreas; tortura chinesa é viajar sem agasalho. Se possível, leve consigo cobertor de lã, cachecol, gorro e luva. O frio é absurdo, e a sensação é de que a temperatura cai uns dez graus dentro do ônibus! Desnecessário lembrar que a Venezuela é um país quente, fica então a pergunta que não quer calar: por que o ar condicionado dos ônibus não pode ser regulado para uma temperatura condizente com o bom senso tropical?


Venezuelanos são absolutamente malucos por música. Mas que essa paixão aflore a todo volume, em praticamente todos os meios de transporte, foi um pouco difícil de assimilar, no começo. Lembro da primeira vez que viajei em táxi, forçada a escutar o último disco de Marc Anthony (marido de Jennifer Lopez, ótimo cantor, por sinal), de cabo a rabo, numa altura bem acima dos decibéis recomendados pela OMS. Imaginem meu estado, após não dormir uma noite inteira, tremendo de medo das quatro baratas e da aranha que estavam no meu quarto, no único hotel que eu podia pagar em uma cidadezinha pavorosa. Zumbi-morta-viva, entro no carrão-banheira e fico entre o choque e o choro, esperando algum dos outros cinco (!) passageiros reclamar do barulho absurdo. Necas, na verdade parecem até gostar da coisa. Após três horas de muita salsa, direção perigosíssima e aperto entre dois gorduchos, comecei até a cantarolar algumas melodias e mexer os ombros em movimentos circulares. No final valeu a pena! Como prêmio pela minha paciência, o motorista me convidou para um café e de quebra me deu uma aula sobre salsa, da qual saí maravilhada.

No final das contas, após incontáveis trajetos entre a cidade grande e a praia, eu já achava o máximo andar em ônibus decorados no estilo mais cafona possível, em velocidade suicida e escutando reggaeton em níveis ensurdecedores. Se há crianças, idosos, gente doente, deficientes a bordo, nada tem importância. Quando a viagem começa, tem início também a festa: todo mundo assobia, canta junto, bate palmas, faz coreografia... Já quando o CD – obviamente pirata - pula, todo mundo vaia, reclama, acha ruim, enfim, faz um escarcéu. Outra situação recorrente é o ônibus, quase sempre caquético, começar a soltar fumaça. Daí é parar, fumar um cigarro filado, tomar café fresquinho vendido na beira da estrada, esperar o motor esfriar... Irritar-se é pura perda de tempo, um tremendo contra-senso.


A Venezuela, assim como esse Brasilzão de meu Deus, não é para principiantes. É América Latina efervescente, com todos os seus excessos, pecados, beleza, lascívia, alegria, falta de ética e de educação, muita miséria, malandragem, políticos de quinta, populismo terceiro-mundista da pior espécie. Impossível não se identificar culturalmente com as situações as mais corriqueiras, a desorganização urbana, a falta de rumos para a nação, o descaso com que nos sentimos tratados, não admirar-se com a maneira tortuosa de demonstrar afeto, com a vontade perene de festejar e sair cantando e dançando, em pleno estado de graça simplesmente pelo fato de viver nos trópicos. Nós e eles brincamos nossas festas religiosas sem culpas. Comportamo-nos de maneira insolente e arrogante. Comemos arroz e feijão todos os dias. Destruímos nosso meio-ambiente, ignoramos nossos pobres, (re)elegemos palhaços, sofremos há séculos por conta de malditas heranças históricas, assistimos apáticos a seqüências crescentes de violência e criminalidade, perguntamo-nos, diariamente, aonde vamos parar... Não se nasce latino impunemente. Todos temos de pagar um preço por vivermos intensamente o hoje, sem pensar no amanhã, porque tudo o que queremos é ser felizes, aqui e agora.

Fotos: stencil em Caracas, praia de Santa Fe, Chuao, busão em Maracay, diablo danzante de Chuao

Locômbia










Tio Mario,

Demorei em responder seu e-mail sobre a Colômbia, mas agora escrevo com a calma e o distanciamento necessários. Sabe-se muito pouco sobre o país, todo mundo me dizia "por que a Colômbia?", mas depois de haver estado lá, me pergunto como não fui antes. Senti vontade de ir por ser o cenário dos livros de García Márquez. Um país capaz de inspirar tão maravilhosas histórias deveria ser, de alguma maneira, singular, fantástico, e certamente muito mais complexo do que estereótipos preconceituosos me permitiriam entender.

Foi indescritível avistar pela primeira vez a legendária Cartagena de Índias, "La Heróica", cidade de nome lindo e exótico, princesa entre as mais belas cidades da América do Sul. Princesa porque intensamente cobiçada por piratas, indígenas e colonizadores espanhóis, que, com o intuito de protegê-la, construíram enormes muralhas ao redor de uma península natural e geograficamente perfeita, e que resistem firme atá hoje, preservando uma arquitetura colonial praticamente intocada há quatro séculos.

A visão de Cartagena, de fora das muralhas, diante do Portal del Reloj, é de sonho. A cidade simplesmente reluz, como uma jóia sob o céu de azul intenso e sem nuvens. O ar quente do Caribe entorpece a visão, mas realça a beleza de seus pátios e casarões, das torres de suas igrejas, de suas plazas, bem guardados por muros rosados, e que disputam entre si as atenções dos turistas. Cartagena é única por suas cores intensas, pela força de seu magnetismo, pela sensualidade de seus habitantes. No Caribe a vida tem outro ritmo, o cotidiano se desenrola ao som de muita música, carros buzinando, de gente gritando, vendendo, conversando, rindo, enfim, vivendo como se não houvesse amanhã.

Também nutria imensa curiosidade sobre Medellín, a querida Medallo, atual motor econômico da Colômbia e cidade das artes, que foi, durante os anos 90 ("Metrallo"), mais ou menos o que Bagdá é agora, para os noticiários, nos anos 2000. Longe de como imaginava, constatei que Medellín é uma cidade de respeito, modelo em termos de administração e segurança publica, e não mais o caos deflagrado pelo poder quase sem limites de Pablo Escobar (Que personagem, o cara. Saiu do nada e se converteu em um dos mais homens mais ricos do mundo. Distribuía casas e casas aos mais pobres de Medellín. Ofereceu-se para pagar, sozinho, toda a divida externa da Colômbia. Dizia preferir uma tumba em seu país que uma prisão nos EEUU). Trabalhadores, austeros e levemente arrogantes (diz-se deles que têm pretensões separatistas) os paisas, como são chamados, orgulham-se de ter o único metrô do país, por sinal moderníssimo, com direito a bondinhos como os do Pão de Açúcar (na verdade cabines paraaté duas pessoas), que parecem conduzir ao alto dos Andes, mas que na verdade levam aos barrios mais afastados da cidade.

Medellín é a capital do tango fora da Argentina. Tive a sorte de visitar a cidade durante seu Festival Internacional, e me maravilhei com pessoas de todas as classes sociais e idades, dançando apaixonadamente ao som de uma orquestra de tango, exibindo-se com orgulho (e talvez afirmando secretamente, "não danço salsa, nem cumbia, e sim tango!"). Mais tarde me lembrei de que Carlos Gardel morreu em um acidente aéreo, voltando para a Argentina justamente de Medellín.

A cidade deu, sim, um enorme salto quantitativo em termos de controle da criminalidade, nos últimos 20 anos. Um bom livro para entender o que foi a cidade nos anos 90 é "Rosario Tijeras", que saiu há pouco no Brasil. Li de uma tacada em uma viagem de ônibus.

E claro, Santa Fé de Bogotá (os nomes são lindos de morrer!), que me surpreendeu de cara pela altitude (2600m) e pelo frio (14°). Subir as ladeiras da Candelária nos primeiros dias exige fôlego de atleta boliviano, mas aos poucos o organismo vai se ajustando. Em um só dia é possível vivenciar todas as estações do ano. O céu pode amanhecer nublado, para logo mais abrir com sol forte, e ao final da tarde cair um aguaceiro. A cidade vive uma espécie de inverno constante, já que a temperatura varia pouco, devido à proximidade da linha do Equador.

Bogotá é muitíssimo bem organizada. Tanto, que chega a confundir uma brasiliense, mais acostumada com números do que nomes em endereços. Ruas que correm paralelas ao cerro Monserrate, ou seja, no sentido norte-sul, chamam-se carreras, e as perpendiculares, que vão de leste a oeste, são as calles, todas numeradas. Tudo muito simples, não fosse pela confusão inevitável causada pelo uso freqüente de pontos cardeais para se orientar, muito usual para eles, mas complicadíssimo para nós: "Siga rumo ao sul e quando chegar à esquina vá em direção ao leste". É mole?

Bogotá tem áreas curiosas, como a do baixo meretrício, que se estende por vários quarteirões e funciona a todo vapor em plena luz do dia, bem no centro, e uma esquina de mariachi 24 horas, que circulam a espera de montar, aos bandos, em caminhonetas que os levem a alegrar pedidos de casamento, namoro e reconciliações.

Colombianos são trabalhadores natos, praticamente incansáveis (chegam, sim a cansar a gente, às vezes, com tanta eficiência). Tudo é "a la orden", nem bem vêem alguém se aproximando e já tentam empurrar todo tipo de produto: comidas e bebidas feitas na rua, calças jeans de todos os modelos, artesanato belíssimo, as inacreditáveis "llamadas" (pessoas oferecem celulares para os transeuntes fazerem telefonemas), água vendida em bolsas de plástico (um pouco estranho a princípio, mas funcionais e bem mais baratas que engarrafadas), tocadores de mp3 que já deixam de funcionar na primeira esquina, livros (literatura!) pirateados, passagens de ônibus para sabe-se lá onde, dólares falsos, roupa íntima colombiana, CDs e filmes ainda nem lançados, cacarecos velhos e inúteis em embalagem de fábrica. Incrível constatar como a malandragem por lá é exercida de maneira elegante e muito profissional. Você dificilmente vai deixar de cair em algum truque. Coisa de deixar carioca no chinelo.

Da costa caribenha, passando pelas três cordilheiras que cortam o país e descendo rumo a Cali, cidade com a maior concentração de salseros do país, os colombianos dançam, celebram a vida, tomam rum e sabem se divertir como poucos no continente. São hospitaleiros, simpáticos, prestativos, amáveis... além de serem educadíssimos, politizados - quer saber sobre a história política recente do país, basta tomar um táxi - têm grande senso de humor, falam um espanhol impecável, considerado pelos próprios hispânicos como o melhor das Américas. Vá a qualquer lugar, por mais remoto que seja, no país, e deixe-se mimar pela gentileza das pessoas (especialmente se teve alguma experiência prévia na Venezuela). Tudo isso com um adendo: independe de classe social. Algo notável e surpreendente, no que diz respeito a uma América Latina de mentalidade predominantemente terceiro-mundista.

Creio que podemos nos sentir privilegiados porconhecer um lugar tão belo, divertido e intenso, a uma só vez mágico e real. A Colômbia é, definitivamente, o segredo mais bem guardado da América do Sul.

Fotos, em ordem: cartazes políticos, centro de Medellín, vista de Bogotá e rua de Cartagena.