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terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Hitch the cock

Durante a infância, Hitchcock era para mim um homem de terno com pinta de mordomo que, cada vez que aparecia na tevê, era apresentado como o “mestre do suspense”. Na minha cabeça, suspense era sinônimo de terror, gênero que sempre evitei. Desconfiava muito daquele senhor gordinho, muito sério, e associava sua imagem com medo, sustos e outras sensações que eu, já pequena, procurava evitar. Levei 28 anos para assistir “Psicose” e até hoje hesito em ver “Os pássaros”, cujo título considero realmente sinistro.

Confesso que, mesmo adorando cinema, sempre tive certa preguiça de ver filmes antigos, desses em preto e branco, com tramas datadas, cenários de mentira, e recursos técnicos hoje em dia considerados anacrônicos, com atores e atrizes que já partiram desta para uma melhor há anos.

No meu curso de roteiro fui descobrindo aos poucos e com entusiasmo de criança porque Hitchcock é, uma das referências mais importantes ao estudar cinema. Não apenas por sua aparência peculiar e capacidade infalível de mexer com os nervos do público, mas por tudo que agregou de sua personalidade genial ao vocabulário cinematográfico.

Hitchcock tem raízes fincadas na experiência e aprendizado acumulados desde os tempos do cinema mudo, que criou paradigmas duradouros para a apresentação de motion pictures, “quadros em movimento”: não podemos esquecer, nunca, que cinema é, puramente, imagem em ação. Muito cedo ele soube que queria engendrar sua visão do mundo por meio de sua paixão obsessiva pela sétima arte, e expressou-se magistralmente em detalhes mínimos, por meio das mais sutis e ao mesmo tempo significantes idéias, concepções e representações, numa dedicação de toda a vida a contar histórias por meio de imagens e sons.

Mote desse texto foi o livro “El cine según Hitchcock”, uma série de entrevistas concedidas pelo mestre ao também referencial François Truffaut, e indispensável para todos que queiram se aprofundar no mundo audiovisual.

Nele, Hitchcock conta sobre sua infância, sua formação familiar, sua religiosidade, seu imaginário, seus medos e complexos, o que permite compreender sua linguagem cinematográfica fundamentada no desejo consciente de despertar no público seus instintos mais íntimos, segundo ele há séculos adormecidos, reprimidos e entorpecidos.

O suspense, ou melhor, a sensação de estar com os nervos “em suspenso”, intrínseca em seus filmes, não deve ser percebida como entretenimento gratuito; assim, corremos o risco de incorrer em preconceitos pseudointelectuais, que distorcem uma visão mais apurada de sua obra, cuja temática central quase sempre apóia-se sobre dilemas morais e éticos, ou seja, a essência humana, e que não por mero acaso despertaram o interesse do grande público.

Hitchcock era popular porque queria ser compreendido, e se esforçava notavelmente nesse sentido. Sabia melhor do que ninguém que imagens falam mais alto que todas as palavras, e seu maior talento era justamente produzir sensações a partir de estímulos não-ditos, criando imagens irretocáveis, repletas de conteúdo e de informações que não deixassem dúvida sobre quais emoções queria transmitir.

Seus filmes são moving pictures à perfeição, compreendidos em qualquer lugar do mundo, porque sua linguagem não se sustenta em palavras, mas nas próprias imagens em si, cujo entendimento independe de idioma, cultura, religião ou ideologia. Hitchcock sabia em detalhes de que se constituía a grandeza do cinema, e por meio dele fez-se compreender de maneira universal.

O mais famoso figurante da história cinema ampliou enormemente o leque de possibilidades e recursos cinematográficos, formou gerações de cineastas e de público e criou um vocabulário visual incomparável e indissociável de sua obra e do próprio meio.

Um comentário:

Pat disse...

Menina,
Era só passar a propaganda de Psicose ainda no meio da tarde, só ouvir a sonoplastia (tãtãtãtã) vindo do quarto do meu irmão, que eu já me borrava toda. Ver então... Confesso que até hoje suspense não é a minha, mas me esforço vez por outra.
Filme antigo já é outra história. Roteiro, (para hoje) baixo orçamento, nada de explosões e 3D, diálogos magistrais, muita psicologia e por aí vai.
Tenta dar uma olhada em "A Malvada" e descobrir qual foi o filme que o mister Hitch fez sem nenhum corte (esqueci o nome agora).
Gostoso texto, pra variar. Gostosa tu.