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quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Primeira seqüência

Um exercício proposto em classe: cada aluno deveria trazer um objeto de valor sentimental e explicar o porquê. Um colega portorriquenho trouxe uma bola preta de borracha. Uma namorada lhe deu o presente, para que se lembrasse da data em que haviam se conhecido, 8 de agosto, já que ele sempre esquecia.

A partir desse relato, criei a seguinte seqüência:



Escena 1
Interior - Bar de snooker – noche

Un bar dedicado al snooker, donde hay muchas mesas, todas ocupadas. Quien quiere jugar debe hacer la cola. Dos amigos, Diego y Paco, esperan su turno y mientras eso toman cerveza, se ríen, miran las chicas a su al redor. El lugar está lleno de gente joven, que actúa de modo alegre y lleva poca ropa. Colgado en una pared, un calendario con la estampa de una chica de cerveza indica que es el més de agosto.

A Diego y Paco se les acercan dos chicas, Caro y Ramona, que les preguntan:

“Hola! Queréis compartir la mesa, para que juguemos todos? Llevamos mucho tiempo ya esperando, pero nadie nos hace caso porque somos chicas…”

Diego las mira un poco desconfiado, mira a Paco y los dos se giran rápidamente hacia atrás.

Diego:

“Tu que crees?
Estas dos sabrán jugar?”

Paco dibuja un cuerpo de mujer con las manos e intenta ocultar una sonrisa. Luego se pone cara de serio, y antes de hablar le guiña a Diego, que responde a las chicas:

“Si jugamos apostando, sí. A ver si sois realmente buenas, ya que no tenemos ganas de pasar la noche enseñándole snooker a nadie.”

Caro y Ramona se entremiran y empiezan a sonreír, hasta que dicen, juntas:

“Por supuesto!”


Escena 2
Interior – bar de snooker – al amanecer

Las dos parejas son los últimos en el bar. Un hombre, acercado a la barra, parece cansado y les hace una señal para que se vayan. Hay muchas botellas de cerveza bajo la mesa de snooker. Paco está dormido en una silla y Ramona, visiblemente borracha, baila sola mientras pone músicas en la jukebox.

Diego y Caro siguen jugando. Es el último partido y ellos cambian miradas intensas. Ni se enteran de los otros dos. La posición de las bolas en la mesa muestra que ya están a punto de terminar, sólo quedan la bola blanca y la negra, número ocho, dispuestas sin mucho ángulo.

Diego:
“Verdad que tú y tu amiga sabéis jugar muy bien, pero tú, sí, tienes muchas ganas de vencer…”

Caro lo mira y luego mira hacia el techo, pero le gusta el cumplido.

Diego:
“Ésta es la última jugada y te toca a ti. Si logras meter la negra, te regalo un deseo. Qué quieres?”

Caro sonríe con malicia, piensa en algo y le dice a Diego:

“Pues quiero que me regales esta bola negra, sin que el dueño del bar lo vea. Será un recuerdo de mi triunfo sobre un tipo tan presumido como tú!”

Ni siquiera le da tiempo a Diego para responder. Hace una jugada de impulso, sin calcularla mucho, y mete la ocho en el hueco. Gana el partido. El dueño del bar, apoyado en la pared al lado de la barra, ya está roncando.

Escena 3
Exterior – calle – día

Diego y Caro intentan llevar a sus respectivos compañeros por las manos, ya que van muy borrachos. Después de unos pasos, él le da a ella la bola. Diego dice a Caro, mirándola en los ojos:

“Me impresionaste mucho.”

Ramona, como que volviendo a si misma, mira a su alredor, se da cuenta de que ya es día y pregunta a todos en voz alta:

“Qué día es hoy?”

Paco:

“Domingo, el nueve, cumpleaños de mi madre.”

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Mami no Gaspari

Reproduzo abaixo a coluna do Grande Gaspari, no domingo dia 25, na Folha de S. Paulo.
Suelena, para quem não sabe, é minha mãe! E como não é todo dia que ela escreve um livro...
Quando eu crescer quero ser igual a ela!

ELIO GASPARI
Lembra da Telebrás? Querem ressuscitá-la

O governo de Nosso Guia produziu dinheirinho fácil com um negócio inexistente: 200% num só dia

EM 1995, QUANDO O Estado tinha o monopólio das telecomunicações, a Embratel avisou a patuléia que ofereceria "acesso pleno aos seus serviços de internet". "Acesso pleno" significava o seguinte: os teletecas aceitavam apenas mil novos usuários por mês. Havia 15 mil vítimas na fila. Pensava-se em estatizar o tronco da rede.Felizmente, o ministro das Comunicações era o grão-tucano Sérgio Motta. Ele chutou o balde, acabou com o monopólio, leiloou as teles e passou adiante a Embratel. Sobrou uma sementinha, a Telebrás.Ela dormiu durante nove anos e reapareceu, misturando megalomania, mico, fracasso e dinheirinho fácil.A megalomania saiu do Planalto. É um projeto de estatização do uso comercial dos 16 mil quilômetros da rede de fibras ópticas do sistema elétrico e da Petrobras. Seria coisa boa, capaz de levar conexões de banda larga para quase todas as cidades brasileiras. O governo acredita que, com R$ 10 bilhões, levará a internet rápida a 150 mil escolas. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, anunciou que a iniciativa pode ser tocada ressuscitando-se a Telebrás.Faltou contar que em 1999 o acesso a essa rede de fibras foi vendido à empresa americana AES, associada à Eletrobrás. Para isso, criou-se uma estatalzinha chamada Lightpar. A Eletronet faliu em 2003, deixando um buraco de R$ 700 milhões nas contas dos fornecedores. A essa altura a Lightpar estava aparelhada pelo PT. Noves fora um escândalo pessoal envolvendo menores, sumiram livros com informações financeiras e, num só semestre de 2005, ela custou R$ 724 mil, com 28 funcionários para fazer nada. Numa economia capitalista, os credores da Eletronet micariam. Como a bolsa da Viúva foi esquecida na mesa, eles querem vender seus créditos.Quando Hélio Costa anunciou que a Telebrás poderia ressuscitar, o governo de Nosso Guia produziu dinheirinho fácil com um negócio inexistente. As ações da empresa saíram do estado de catalepsia e valorizaram-se 200% num só dia.A iniciativa privada, que recriou o sistema nacional de telecomunicações, está confinada à periferia da exploração da rede de fibras. Os teletecas, que azucrinaram os consumidores e conceberam a sociedade da Eletrobrás com a Eletronet, apresentam-se como a voz o futuro. São o ronco do passado.

BORBA DE MORAES E SEU AMOR AOS LIVROS
Para quem gosta de livros e, sobretudo, para quem gosta de quem gosta deles, saiu "O Mestre dos Livros Rubens Borba de Moraes", de Suelena Pinto Bandeira, publicado pela heróica editora do professor Briquet de Lemos. Nele, conta-se a vida do organizador da segunda maior biblioteca do país, a Mário de Andrade, de São Paulo. Negando a imagem pacata do bibliômano, Borba foi um dos organizadores da Semana de 22 e combateu na Revolução de 32. Nos anos 40 foi acusado de dilapidar o patrimônio emprestando à choldra volumes que colocava numa biblioteca ambulante armada em cima do chassi de um caminhão. Em 1942 o prefeito Prestes Maia acabou com a festa, que proporcionava "romances policiais a meia dúzia de vagabundos".Poucas pessoas fizeram tanto pelos livros no Brasil. Borba de Moraes (1899-1986) organizou uma preciosa biblioteca particular que hoje está incorporada à coleção Guita e José Mindlin. Nela há uma pasta com folhas manuscritas e datilografadas. São as suas memórias. Algum editor piedoso poderia publicá-las. Formariam um volume de umas 350 páginas. É um prazer vê-lo descrever a bailarina Isadora Duncan ("pré-pelancuda") ou Vila-Lobos ("prima dona") levando-o a uma das ruelas da Lapa para conhecer "uma grande cantora".

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Back to Black (atrasado 1 dia)

Hoje é o Dia da Consciência Negra no Brasil. Feriado em São Paulo, dia normal em Brasília (pelo menos até o ano passado). A data é um desses feriados que os próprios Estados ou o DF têm autonomia para escolher. A Câmara Legislativa Distrital da capital estabeleceu há alguns anos o dia 30 de novembro como feriado, dedicado ao... Dia do Evangélico. Sem comentários. Coisa tipica da mentalidade provinciana brasiliense. Dia da Consciência Negra deveria ser feriado nacional.

Entrei em boas páginas na internet em que a data foi lembrada. De maneira geral, o debate sobre racismo no Brasil continua naquela velha discussão sobre se o racismo é social ou racial.

Minha experiência pessoal me permite afirmar que as duas formas de discrimação contra negros coexistem. Além de negros, os que também são pobres sofrem com a segregação social que a "elite branca" (desculpem, mas a expressão é boa mesmo) pratica. E são muitos os negros, que, apesar de terem boa condição social, várias vezes, e nas mais diversas situações (entrevistas de emprego, discussões corriqueiras na rua, piadas de cunho racista contadas "inocentemente" pelos próprios amigos), são expostos ao preconceito racial.

Não quero me alongar muito na questão. Graças a Deus já superei muitos traumas pelos quais todos nós, negros, passamos ao longo de nossas vidas, sejamos africanos do Zimbábue ou afro-alemães. Sou negra, sim, e tenho orgulho disso.

Apesar de toda a xenofobia existente na Europa, há aqui uma grande diversidade étnica em um espaço multicultural vibrante, que abarca as culturas excluídas, as „ minorias“ raciais, como ainda nos definem no Brasil, com um interesse e uma curiosidade que não temos nem mesmo por algumas de nossas raízes mais profundas, como a negra. E isso, é claro, pode não mudar a maneira de pensar de muitas pessoas com relação ao preconceito, mas demonstra que é possível, sim, viver em sociedades miscigenadas de uma maneira menos hipócrita, mais autêntica por valorizar todas as suas origens ou culturas "adotadas", sendo negro ou parte de qualquer outra "minoria", no Brasil.

Eu acredito, tristemente, que o racismo existe em todas as partes, e que seguramente é uma das pragas da nossa civilização. Mas há na Europa uma valorização, um respeito, e um olhar interessado pela diferença que não vemos com freqüência no Brasil, e que me faz refletir sobre a pouca importância dada por nós mesmos à influência negra em nossa cultura.

Que vivam os Zumbis da nossa história e todos aqueles que lutaram ou morreram por um mundo sem seres humanos tratados como minorias.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Química

O que ocasiona o encontro de duas pessoas cuja probabilidade de se encontrarem no mundo é bem pequena?


Dois corpos desconhecidos, que conhecem, porém, a linguagem do corpo. Querem se comunicar, se entender, trocar impressões e sensações. A noite já transformada em dia, pessoas transfiguradas pelo que consomem e uma leve embriaguez no ar que emana sexo.


Ela se encosta na borda da pista, esperando ver alguém que lhe interesse. Não bebe nem fuma, já fez o bastante por toda a noite. Concentra-se na pista de dança, prefere ver as pessoas, quer escolher alguém da multidão.


Ele deixa a companhia por um instante, diz que vai ao bar, mas sai para dar uma volta. Não quer nada com a garota, apesar de ela ser simpática. "Falta faísca", ele diria aos amigos.


Ele a vê na pista aparentando certo desinteresse, talvez cansada, e decide chegar mais perto. Pergunta se ela é daqui, ela responde com frieza que não. Ele não se abala com a atitude defensiva dela, acha interessante, de certo modo.


O gelo inicial é de praxe, serve para testar os mais inseguros. Ela o observa de cima a baixo, acha-o atraente e resolve abrir um pouco a guarda. Nem todo homem consegue se aproximar de maneira assim, tão assertiva.


Em pouco tempo beijam-se calorosamente. Ambos estão satisfeitos por obter uma possibilidade de sexo. Já são oito horas da manhã, não há mais o que esperar. Compram mais um ***, entram em um dos reservados da discoteca para se conhecerem melhor e vão para casa.


Possivelmente não há sexo melhor do que assim, com um estranho atraente, embalado por ***, já de dia.


Os dois transam, bebem cerveja, fumam e consomem o que ainda há. Fazem isso por horas, até a exaustão.


Adormecem juntos, já de tarde, e despertam à noite. Transam mais um pouco, há bastante intimidade entre os dois, que, no entanto, não se conhecem. Talvez por efeito das *** sintam-se um pouco mais emotivos, abraçam-se e beijam-se sem parar, quase uma necessidade vital.


Eles chegaram juntos à casa dele às 10h da manhã de domingo. Ela foi embora às 19h da segunda-feira. Ele não foi trabalhar, passaram o dia de ressaca, conversando sem parar.


Na quarta-feira eles saem de novo. Dessa vez tomam ***, ela fala pelos cotovelos, quer se mostrar, atrair ainda mais a atenção dele. Ele não esconde que ela lhe interessa, ouve-a atentamente, é carinhoso.


Mais uma vez vão para a casa dele e transam até dormirem, já de tarde. Quando acordam conversam sobre a noite passada, sobre como se divertiram e se divertem juntos. Falam de sentimentos, contam segredos, parecem bem juntos. Ela vai para casa na sexta, quando ele sai para o trabalho.


Ela recebe a notícia de que tem de ir embora em breve. Fica um pouco triste quando pensa nele, que poderiam passar um pouco mais de tempo juntos. Mas sabe que uma coisa está intrinsecamente ligada à outra. É a Lei de Murphy, aplicada aos bons momentos da vida. Aproveitar o tempo que resta.


Encontram-se no sábado, depois do futebol dele. Ela gosta de homens que gostam de futebol, mas nunca teve nenhum. No começo parecem um pouco tímidos,mas afinal saem para comprar os mantimentos necessários para passar, pelo menos, as próximas 24 horas juntos. Quase um ritual, já.


Bebem, fumam, alteram-se, fazem sexo. Sentem que precisam ficar juntos, abraçados, trocando carícias e energia. Seus corpos se encaixam com perfeição, não conseguem soltar-se, precisam respirar um o ar do outro. Não falam nada, ou muito pouco, lêem nos olhos do outro o que querem dizer. Querem a mesma coisa.


Saem de casa às 4 da manhã, mas o lugar está lotado. Preferem voltar pra casa, como apaixonados que não precisam de ninguém. Decidem estimular ainda mais a vontade de amar, ainda que isso não seja verdade.


Passam a noite e a manhã de domingo acordados, fascinados um pelo outro, e adormecem juntos. Ele não se lembra de passar tanto tempo com alguém apenas olhando nos olhos, e ela se sente um pouco ridícula quando pára pra pensar em como se comportam quando estão juntos. Mal se conhecem e se entendem apenas por olhares e gestos, com seus corpos.


Ela vai embora na segunda de manhã da casa dele, e não sabem quando vão se encontrar de novo. Parece até irrelevante, aliás. Importante é como preencheram-se mutuamente de afeto, sob o efeito ou não de substâncias, mas afeto legítimo.


Não sabem se estão apaixonados, o que na verdade não importa. O que conta é que estiveram juntos em uma sintonia muito especial. O destino se encarrega do resto da história dos dois.


*"Condições eróticas: regulamentam o desejo dos seres humanos e explicam as escolhas amorosas reiteradas e às vezes surpreendentes, que escapam à compreensão imediata" (Alberto Goldin, psicanalista)





Aufwiedersehen, Berlin!

Berlim é uma das minhas grandes cidades-paixões. Voltar é um pouco estranho às vezes, mas na verdade é sempre bom. Como um amor que não acaba, mas que precisa de um pouco de ar, de espaço, de tempo para renascer com força cada vez que nos encontramos.


Tenho uma relação profundamente especial com a cidade, que me causou um entusiasmo de menina assim que pus os pés na antes mítica e hoje turística Alexanderplatz. Lembro-me de acompanhar a história de Berlim ainda na escola, mesmo sem entender muito bem o que era Cortina de Ferro, por que havia duas Alemanhas que eram inimigas, qual a importância de um muro cair.


A cidade, ou pelo menos um lado dela, o ocidental, era uma ilha de capitalismo dentro de uma Alemanha comunista. Sim, porque Berlim está no lado oriental do país, que após a 2ª Guerra Mundial alinhou-se politicamente com os russos. Durante a ocupação do país pelos países aliados, a cidade foi inicialmente dividida em quatro setores: americano, inglês, francês e russo. Os três primeiros, ideologicamente afinados, reuniram-se sob o nome de Berlim Ocidental após o fim do conflito, e pertenciam à Alemanha Ocidental. O último tornou-se Berlim Oriental, a capital da Alemanha comunista.


Durante 28 anos a cidade foi duas, algo inédito no mundo. Um muro separava dois regimes em confronto, que competiam silenciosamente entre si. Tinham que impressionar-se mutuamente, demonstrar a pujança de suas altas torres, de seus edifícios arrojados e enormes, a eficiência de seus meios de transporte, a ostensiva vigilância de suas fronteiras, as benesses de seus sistemas de governo. Obviamente, a coisa parecia uma competição fraternal, do tipo que pode ser (e foi, algumas vezes) fatal, mas também um tanto pueril.


A parte ocidental da cidade era uma espécie de „Résistance“. Quem conseguia pular o muro vindo do comunismo tinha direito imediato à integração ao mundo capitalista, recebia passaporte, documentos, ajuda de custo para se estabelecer. Já quem decidia fazer a ponte aérea, migrando da Alemanha Ocidental para a „ilha“ capitalista no meio do comunismo, era dispensado do serviço militar, recebia subsídios e pagava menos impostos, e os imigrantes que chegavam à Alemanha capitalista eram estimulados a morar em Berlim Ocidental, como uma forma de não permitir que a cidade sucumbisse ao regime vermelho.


Deve ter sido realmente comovente ver todo esse embate acabar de uma hora pra outra. Especialmente para os alemães orientais. A maioria deleitou-se com as liberdades do sistema capitalista. Mas muita gente perdeu a razão de viver, especialmente quem realmente acreditava e militava pelo socialismo.


Hoje, 18 anos após a queda do muro de Berlim, a cidade é uma das mais instigantes metrópoles européias. O lado oriental foi invadido por jovens atrás de aluguéis baratos e de liberdade, numa parte antes proibida da cidade. Para acompanhar o passo da modernidade, Berlim Oriental foi sendo gradativamente revitalizada, desde Mitte, bairro central, hoje caríssimo, para os lados de Prenzlauer Berg, já um tanto chique, e atualmente a renovação se move para os lados de Friedrichshain, último refúgio (já conquistado) dos adeptos da cultura underground.


Desta vez fiquei hospedada em Friedrichshain e Prenzlauer Berg. Não estava próxima do metrô, mas em compensação andei direto de bonde, o famoso M10, que cruza os dois bairros e nas sextas e sábados à noite tem a maior concentração de boêmios e estudantes da cidade, pois é entre os dois lugares que a noite berlinense acontece. Há tantos bares, restaurantes, discotecas, festas improvisadas em casas ou edifícios clandestinos, que às vezes parece um milagre que todos consigam sobreviver financeiramente. Há público para todo tipo de serviço, o que, em uma cidade com sérias dificuldades financeiras, é louvável.


Quem vem para Berlim tem a vontade de experimentar, de criar, de conhecer e discutir novos pontos de vista sobre vários temas, encontrar o diferente, sentir-se em casa no meio de tanta informação vinda de todas as partes. Aqui todo mundo se sente livre, e a tolerância é a marca registrada da cidade. A polícia convive bem com os punks, que por sua vez abordam respeitosamente as senhoras elegantes de Charlottenburg, que têm compaixão pelos asilados políticos que acabaram de chegar, que encantam os estudantes do Leste Europeu, que adoram se divertir nas festas latinas, e todos já sabem que aqui fica a maior concentração de turcos fora da Turquia. Basta andar na rua por uns poucos quarteirões para entender porque a cidade é especial. Todos têm aqui seu lugar ao sol (ou melhor, ao vento gelado que vem da Polônia) e há uma cumplicidade cultural muito grande entre todos.


Um de meus passatempos preferidos é tomar o metrô amarelinho, de preferência cruzando o bairro multiculturalíssimo de Kreuzberg, e viajar pela cidade de uma ponta à outra. Mesmo unida, Berlim permance duas em uma. O lado oriental é mais alternativo e atualmente mais turístico, com sua juventude efervescente, subversiva e livre, circulando quase sempre de bicicleta em ruas tomadas por graffitis e cartazes de festas, por entre construções grandiosas e um tanto anacrônicas. Já o lado ocidental é mais convencional, com muita gente de muitos lugares, letreiros em vários idiomas, arquitetura mais refinada, comércio mais caro e elegante, e mais pessoas circulando em carros.


Certamente há no mundo poucas cidades tão culturalmente abrangentes como Berlim. Aqui me sinto em casa, recebida de braços abertos (e com um certo mau humor típico) pelas pessoas que aqui nasceram ou escolheram tornar-se berlinenses de coração. Desfruto da infra-estrutura duplicada que faz de Berlim tão completa, de uma oferta cultural democrática e excelente, me encanto cada vez mais com o colorido que uma cidade de clima tão cinza consegue ter por causa das pessoas que vieram pra cá, dispostas a viver uma experiência urbana única. Só em Berlim eu sou capaz de passar todo o inverno sem pensar muito sobre ele, o que não é pouca coisa.


Muito do que eu sou hoje devo a esta cidade pela qual me apaixonei no momento em que cheguei pela primeira vez, há oito anos. Obrigada por me receber mais uma vez tão bem, Berlim. Volto em breve, pode esperar.