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terça-feira, 30 de setembro de 2008

A eterna estranha

Desde pequena tenho a sensação de não me encaixar nos lugares e nas situações ao meu redor. É como um gosto amargo na boca, um ressentimento inconsciente e constante, já que não sei definir exatamente de onde, do que e de quem eu sinto falta.

Quando eu finalmente ganhei um quarto todo rosa, comecei a me achar meio boboca por não escolher uma cor menos “mariquinha”, como azul ou amarelo.

Quando eu estudava na turma A, estava convencida que a turma C era muito mais fodona. Por mais que eu adorasse meus colegas de classe, achava que estava perdendo as piadas, as bagunças, o auê na sala ao lado.

Achei a Disney uma bobagem, mas tinha vergonha de dizer a verdade porque era A viagem entre o povo da minha idade, e me sentir feito uma “Carrie, a estranha” era a última coisa que eu queria naqueles tempos adolescentes.

Quando fui estudar no Marista, pensava nos amigos imaginários, bem mais alternativos, que teria se tivesse ido pro Sigma. Demorei os cinco anos que passei lá pra finalmente “encontrar minha turma”, mas, como boa deslocada, saí da escola pra fazer intercâmbio.

Meu intercâmbio foi das experiências mais traumáticas. Passei seis meses inteiros pensando fixamente no Brasil e no meu namorado à época, com quem brigava todo santo dia antes de ir. Claro que, à distância, eu me martirizava por todo o tempo perdido com ciúmes e picuinhas. E claro também que, quando voltei e o reencontrei, o amor acabou.

Eu me sentia perdida na faculdade. Não me identificava com os jornalistas e com os publicitários mal tinha contato. Achava o povo do cinema interessante à distância, mas de perto me pareciam pedantes e “sublimes” demais.

Quando casei e fui morar fora, sentia saudades lancinantes do Brasil, e me peguntava constantemente o que é que tinha feito da minha vida.

Quando voltei ao Brasil para terminar a faculdade, pensava dia e noite nos anos que me faltavam para voltar para a Europa.

No meu primeiro dia de trabalho depois de formada, eu já sabia exatamente o que faria com a grana economizada durante o tempo que eu ficasse no emprego.

Antes de chegar à Espanha imaginava mil histórias românticas com os "hombres" daqui. Hoje em dia, além de me dar conta de que em Barcelona eles são catalães (isso muda tudo. TUDO!), peludos e têm as pernas curtas, meu tesão por eles foi abaixo de zero.

Estava 100% certa que era uma pessoa 100% solar, mas agora que aprendi a gostar de frio, fico pensando que isso desestabiliza fortemente a minha personalidade.

Fiquei muito feliz quando voltei a estudar no ano passado, mas algo me dizia o tempo todo que não merecia levar uma vida tão leve enquanto todo mundo ralava.

Quando estou trabalhando, me sinto um zumbi sem vontades. Quando não estou trabalhando, me sinto culpada por estar ociosa, e não consigo desfrutar meu tempo livre.

Apesar de estar tecnicamente sempre de regime, nunca consegui emagrecer os mitológicos 10Kg que tinha a menos aos 17 anos. Minha dieta só costuma durar até a terceira lata de cerveja, ou o segundo beque.

Me sinto uma inconseqüente por ter ficado a madrugada passada in-tei-ra lendo o kibeloco (!!!), quando poderia ter dormido uma noite de sono tranqüila, ou simplesmente visto o filme que havia planejado ver.

Por que diabos é tão difícil seguir meus planos à risca, que afinal de contas passo tantas horas calculando tão minuciosamente?

Quando estava casada, queria estar solteira. Agora solteira, continuo sem saber se queria estar casada (acho que não), mas me sinto uma total alienígena por não conseguir assumir meus sentimentos.

Tenho a constante sensação de que nunca conheço ninguém bom o suficiente pra mim, sejam amigos, conhecidos, professores, colegas de trabalho ou relacionamentos.

Odeio meu entusiasmo fugaz, infantil e míope por pessoas com as quais, depois, eu não consigo me relacionar. Parece que desaprendi a ficar com alguém, tudo me dá preguiça, me desanima e qualquer bobagem me dá vontade de sumir.

Queria ser mais constante e mais perseverante, levar meus projetos a cabo com mais determinação... se eu ao menos soubesse quais são esses benditos projetos! Vejo tanta gente mais nova e tão mais bem-colocada diante da marca do pênalti...

Seria fantástico se eu finalmente conseguisse manter minha boca de caçapa fechada em muitas, várias, incontáveis situações (de sinceridade extrema a sonhos íntimos).

Depois de anos e anos de terapia (mas principalmente durante a maldita TPM), ainda continuo com a sensação de que não aprendi absolutamente nada sobre a vida, e isso me causa um desespero enorme, como um bicho me devorando por dentro.

A urgência que eu sinto em escrever é inversamente proporcional à exatidão do que eu gostaria de expressar em palavras.

Dessa vida eu quero...

Acabo de ver “Vicky Cristina Barcelona”, último trabalho de Woody Allen, com Scarlett Johansson, Penélope Cruz e Javier Bardem. Como adianta o título, a história se passa aqui em Barcelona, onde há pelo menos um ano todo mundo comenta sobre o filme. Bacana reconhecer a cidade na tela, ainda que ela tenha ficado um tantinho irreconhecível pros “populares”, como eu, que não comem em lugares caros, não têm grandes contatos no círculo das artes e muito menos casas-ateliês nas montanhas dos arredores.

Como sou muito fã de Allen, digo que achei o filme divertido. Simples, mas bem-feito, elenco afiado e bem dirigido, fotografia bastante luminosa, como a própria cidade em si. Sempre vale a pena ver o “cara”, mesmo quando ele trabalha “nas coxas”. Dizem as más línguas que Allen só veio filmar aqui porque recebeu uma boa grana pra isso (deixa só o César Maia saber!), mas para quê estragar o encanto da coisa, não é?

O filme é, basicamente, sobre histórias afetivas que se entrecruzam e as suas respectivas conseqüências para os participantes do “jogo”. Como cada um deles vivencia seus relacionamentos ,e até onde querem, ou podem ou suportam chegar em busca do que convencionamos chamar de amor.

Faço muito minhas as palavras da personagem de Scarlett, Cristina, que admite, sem medo de errar, que não sabe o que quer da vida, mas que sabe, muitíssimo bem, o que não quer.

Otimista inveterada que sou, acredito que já é um grande adianto saber o que não se quer. Pelo menos assim restringimos um pouco o espectro de tudo o que podemos obter da vida. Poupamo-nos de aborrecimentos, murros em pontas de facas, repetidas tentativas infrutiferas... mas, num certo sentido, continuamos sempre na mesma: pra onde, afinal de contas, queremos ir?

Semana passada recebi um email da minha mãe no qual ela questionava duramente minhas escolhas. Com um pouquinho de distanciamento, é facil saber porque ela não entende o que eu vim fazer aqui na Zoropa, passando frio, fome de melhores oportunidades de trabalho e necessidade de colo e carinho dos meus entes mais queridos. Claro que saudade de mãe vira logo um dramalhão exagerado, e que, num primeiro momento, sucumbi à autocomiseração – claro, eu também já chorei na frente do espelho, imaginando-me a mais sofredora das heroínas!

Só que depois, lendo e relendo o texto, caí em mim e reconheci que posso não saber muito ou mesmo nada sobre os rumos que estou tomando, mas que estou certa de que a vida que eu levava antes não me satisfazia.

Pode parecer pouco, ou loucura, ou capricho de quem sente o peso dos 30, mas quer ter 18 para sempre... mas resumindo a ópera, essa é a vida que eu escolhi levar, e não alguma trilha que apareceu no caminho e eu decidi seguir, por comodidade, por segurança, por teimosia, por medo, pra não ser muito “diferente” das filhas das amigas da minha mãe...

A possibilidade de que eu me perca, ou me arrependa, ou me sinta uma “eterna deslocada” sempre vai existir. Mas vivendo a vida do meu jeito eu nunca vou poder culpar ninguém pelos meus insucessos, o que acho muito digno. Não serei nunca uma vítima, pobre-coitada, refém das circunstâncias e da sociedade. Acho bastante difícil que, daqui a uns dez anos, eu chegue a pensar que fiz uma merda enorme saindo do “empregaço” que tinha até um ano e meio atrás. Não tem nada que me dê mais medo do que chegar a uma determinada altura da vida e me arrepender do que não fiz.

Podem me chamar de idealista, ou romântica, ou hedonista. Só sei que sem essa loucura pelas minhas poucas, mas conscientes escolhas, eu não seria quem sou hoje, complicada, difícil e irritante, mas certamente “senhora dos meus domínios", como já dizia meu mestre Seinfeld.

sábado, 6 de setembro de 2008

Savoir-vivre em comunidade

Ainda não ganhei na loteria, mas posso dizer que tirei a sorte grande. Acabo de alugar um quarto de sonho em um apartamento dos sonhos. Até de quem vive a realidade das casas compartidas, como eu, aqui na Europa, que se traduzem em pepinos-do-lar básicos, contas altíssimas, móveis pavorosos, caquéticos e/ou insuficientes (viva Ikea e lixo mobiliário compartilhado!) e o pior, gente esquisita com hábitos heterodoxos.

Morar com outras pessoas é uma relação que está começando a se desenvolver no Brasil agora, que muita gente começa a perceber as vantagens de sair da casa dos pais. Entendo quem fica, mas ir em busca de independência é muito mais instigante, pelo próprio desafio de mudar. De casa, de ambiente, de rotina, de vida.

Pois bem. Aqui todo mundo divide apartamento. E não apenas os estudantes de fora, mas também adultos como nós, na casa dos 30 anos, formados, trabalhando, muitas vezes casados. E até com filhos, quando rola uma boa sintonia na casa.

Funciona assim: alguém descola um contrato de aluguel. Ou seja, arca com as exigências hercúleas da coisa, como contrato de trabalho permanente (quase todos são temporários), aval bancário para mais de seis meses, o aluguel em si e comissões de imobiliárias. Ou paga em cash uma fiança que, malfazendo contas, custaria o preço de um carro popular no Brasil.

E o que faz essa criatura? Subloca os quartos do apartamento a preços altíssimos e não paga aluguel. Os outros pagam o apartamento. Trocando em miúdos, é a forma mais corriqueira de abrir um negócio aqui.

Mas as pessoas chegam e saem, então a rotatividade nas casas é grande. As coisas funcionam na base da hierarquia. Quem está há mais tempo na casa muda pro melhor quarto e quem chega por último quase sempre fica com o pior, que é justamente o que se tenta alugar para os que vêm de fora.

Um breve parêntese: os quartos de apartamentos espanhóis são os piores do mundo. Geralmente só um quarto na casa é realmente decente. O outros costumam dar para um pátio interno horroroso, sujo e nojento, porque ali se encontram todos os outros quartos e cozinhas e banheiros do prédio. Um corredor vertical de cheiros e barulhos que ninguém merece ter, ainda mais dentro do próprio quarto!

Como se não bastasse, ainda rola um casting básico. Você não escolhe um quarto, é o “quarto” que escolhe você. O, digamos, gerente do apartamento te mostra a casa, maquia os problemas da “comunidade” e ainda te entrevista. Discriminaçõezinhas mais corriqueiras: homens, fumantes, estudantes de intercâmbio universitário, desempregados. Mas todo mundo sempre se arranja.

Mas não acabou. Você ainda tem que se entender com as outras pessoas que vivem na casa. Ou mais bem se harmonizar, porque, empiricamente falando, tem gente que não dá pra entender.

Filha única muito satisfeita, sou obrigada a admitir que é um interessante, e em muitos casos necessário, exercício de convivência. Difícil como o quê, porque afinal trata-se de dividir a sua casa com gente que, a princípio, você nem conhece. São outras educações, outros horários, outros hábitos de higiene, outros momentos de segunda-feira às oito da manhã. Lixo acumulado há uma semana que ninguém lembra de descer. Pia lotada de louça suja quando você precisa cozinhar. Banheiro ocupado naquelas horas. Assaltos a geladeira. Falta de privacidade.

Daí pensei prós e contras e decidi pagar mais caro por um quarto enorme. Cheguei à conclusão de que preciso ter uma casa dentro do apartamento. Só nesse território, dentro da casa que eu posso ter, aqui, posso exercer todas as minhas deliciosas liberdades e neuroses de mulher.