Eu me esquivei até onde pude de me render ao touro indomável. Achava que eles estavam se achando. Ri da zebra contra a Suíça, mas à medida que avançavam as fases não deu mais pra disfarçar a inveja de ver um time jogar bonito e em conjunto, com todos atrás da mesma meta, sem egos inflados, nem patrocínios milionários, disciplina espartana inútil e muito menos salto alto. Todos eles um. Tinham raça, tinham potencial, tinham vontade, e, por mais mandinga que se cantasse, não iam desperdiçar esse momento por nada.
Nunca tive a noção do que significa chegar a ganhar a Copa. Já “nasci tricampeã”, e com uma equipe lendária de cinco atacantes (Pelé, Tostão, Rivelino, Jairzinho e outro, que esqueci)! Hoje em dia confesso que nem sei imaginar algo parecido.
Me poupo de teorizar sobre o futebol, mas a verdade é que ele não serve pra nada em concreto. É simples alegria em estado latente, que explode dependendo do ângulo do qual se veja balançar a rede. O futebol só serve pra fazer as pessoas felizes. De todos, é o único esporte capaz de mover mundos, mentes e montanhas (de dinheiro, principalmente). Por isso, somatizei a alegria da Fúria ao tocar o céu do futebol, e não tive escolha senão sorrir junto com eles.
Na Espanha já há algum tempo, tive o desprazer de ser pega em cheio pela crise e todos as suas consequências, além de ter-me impregnado naturalmente de seus problemas nacionais, de sua língua castiça e de sua cultura (tão próximas à nossa que muitas vezes nem me dou conta de que vivo na Europa), de seus verões que às vezes tardam mas felizmente nunca falham, de seu desprendimento contente, de “la mala leche” e até “las malas costumbres”. Mas nunca vou desaprender o que futebol significa, e muito especialmente em momentos de crise (o Brasil sempre esteve em crise e me dá certa raivinha estar longe justo agora, quando vejo o país despontar). É a válvula de escape, é o sonho, é o melhor momento de uma vida inteira.
Parece ingênuo, mas havia gerações inteiras de espanhóis esperando saborear essa alegria. Atrás de um menininho de cinco anos gritando hoje “¡España!” tem um pai, um avô e talvez até um bisavô que sonharam desde crianças com o momento de gritar “¡Campeooooones!”. Vi na TV uma velhinha em um asilo, que chorava e sorria ao mesmo tempo, enquanto murmurava, “¡en vida, en vida!”... E o mais surpreendente é a generosidade e a gratidão nacional para com todas as equipes passadas, que também lutaram muito, mas nunca conseguiram ganhar nada. Um complexo bobo de perdedores no futebol, muito eficiente na hora de minar a autoestima de todo um povo. Hoje, donos do mundo e invencíveis, eu revivo aqui a alegria incalculável que se desprende do futebol, e sinto uma confiança inabalável em algum resultado positivo para todos os problemas da Espanha. É como se nunca houvesse Rafa Nadal, nem Fernando Alonso, nem basquete. Nada disso nunca bastou aos espanhóis. Só o futebol nos faz realmente grandes.
Pablo González-Trejo, a Cuban-French-American artist, has been navigating
the complex terrains of identity, nature, and the infinite since
establishing h...
Um comentário:
Depois do texto, deu-me ainda mais vontade de ter estado aí na data certa.
Bj.
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