Se podemos falar em um "oásis de prosperidade" em se tratando de Alemanha, esse lugar é Munique, a bela capital da Bavária, ao sul do país.
A cidade é a terra natal daquele estereótipo de alemão de Oktoberfest, e nem podia ser diferente, pois a festa acontece anualmente há mais de dois séculos na cidade. Este ano cheguei aqui no primeiro dia do evento, um sábado ensolarado de setembro, e as todas as pessoas na rua pareciam vestidas especialmente para a ocasião: homens de bermudinha de couro em tons de marrom ou caramelo, camisas cheias de frufrus e chapéus de feltro pontudos (meio duendes, meio Sassá Mutema); mulheres de vestido de avental longo ou curto, decotes generosos e cabelos trançados, quase sempre louríssimos. Se pareceu familiar, no Brasil essas fantasias têm nome e atendem por "tirolês" e "tirolesa", ou "alemão" e "alemã", para ficar mais fácil identificar.
A cidade fica literalmente embriagada durante três semanas. Nem é pra menos. Seis milhões de pessoas passam por ano pelos Campos de Teresa (Theresienwiese), nome do parque onde ocorre a festa. Muitos italianos, americanos, japoneses, além dos próprios locais, vêm todos os anos para Munique beber até cair. É engraçado entrar num vagão de metrô, num banheiro ou numa cabine telefônica, e sentir o bafo de cerveja no ar. A quantidade de álcool consumida é enorme, considerando-se que cada copo de cerveja vendido na festa tem um litro. E, embalada, juro que não é difícil beber três deles...
A estação central de trens, ponto crucial da excelente malha de transportes da cidade, é invadida por milhares de turistas de todas as partes, mochileiros desavisados que não têm dinheiro para pagar as absurdas diárias dos dias de festa, grupos de jovens e nem tão jovens que andam pra lá e pra cá com as inseparáveis cervejas na mão e cantando bem alto, tentando fazer graça para a primeira pessoa que der brecha. Munique e seus habitantes, tão sisudos, formais e ordeiros, transformam-se por três semanas, convertendo-se numa manguaceira só.
Interessante voltar à cidade, depois de sete anos. Aqui desembarquei pela primeira vez em 2000, e me desiludi profundamente com o conservadorismo bávaro. Para quem conhece o país e já passou por cidades como Berlim, Hamburgo ou Colônia, Munique destaca-se pela riqueza e caretice. As ruas são limpíssimas. Os carros, os mais modernos de toda a Alemanha (a BMW nasceu aqui). Os cafés e restaurantes são caríssimos - barzinhos não há! -, as boates da moda encontram-se todas nas ruas mais caras da cidade. As pessoas estão sempre impecavelmente vestidas, penteadas e bronzeadas, como se tivessem acabado de voltar das férias na Itália. Os programas culturais são quase sempre eruditos ou típicamente bávaros. Quase nada aqui é alternativo, underground, subversivo. E tudo é chique, caro e exclusivo.
Como estrangeira e membro ativo da tchurma alternativa, cidades como Berlim e Colônia têm atmosferas muito mais interessantes a oferecer. Muito mais multiculturalismo, uma certa decadência, informação, cena underground, desemprego, problemas globalizados, gente que protesta nas ruas... muito mais vida, enfim. Parecem-se mais com o mundo de carne e osso, no qual eu, latina-americana, cresci e me criei. Sei que estamos falando da Europa - aliás, do país mais rico do continente. Mas, em outras partes, há um proletariado muito mais atuante (o de Munique parece invisível), bêbados perambulando pelas ruas com seus inseparáveis cães, calçadas desniveladas, edifícios a ponto de ruir, carros com licenças para circular vencidas, diversão a preços terrenos, döner kebab a 1 euro, gente vestida de todas as formas, mais aberta, mais tolerante, mais ecológica, menos religiosa e menos direitista. Mais real. Munique parece uma cidade de brinquedo, com toda sua perfeição de fachada.
Desde o tempo das duas Alemanhas, Munique sempre teve muito mais potencial turístico que outras cidades. Assim, a imagem do país acabou ficando fortemente atrelada a Oktoberfest, cerveja, tiroleses e joelho de porco. Mas o país é muito distinto em suas regiões, e admito ter uma certa predileção pelo norte, protestante, politicamente liberal, declaradamente ranzinza, onde come-se pão com peixe, a cerveja é mais leve e mais barata, e as pessoas são mais gente-boa.
Calma, calma! Não pretendo desanimar ninguém a vir conhecer a cidade, que é inegavelmente linda, bem-cuidada, bacaníssima em muitos aspectos. Só acho que, cá entre nós, falta um certo borogodó a Munique... A cidade é perfeita, tudo funciona em ordem, não há máculas. Como mero visitante, não há como não se surpreender com sua beleza, a hospitalidade superficial dos que trabalham no turismo e a organização do cotidiano. Mas, num prazo mais longo, entedia quem espera vivenciar na Alemanha um pouco mais de diversidade, tolerância, idéias alternativas e uma realidade social mais em sintonia com o mundo globalizado.
Pablo González-Trejo, a Cuban-French-American artist, has been navigating
the complex terrains of identity, nature, and the infinite since
establishing h...
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