Calle 13 foi uma das melhores descobertas da Viagem. Com esse nome levemente cafona e outros tantos grupos latinos que entram e saem de moda sem a gente nem perceber (principalmente sendo brasileira e com pouco acesso ao maravilhoso mundo da música hispânica), nunca poderia imaginar o que havia por trás. Uma dupla de meio-irmãos metidos a artistas que, sob o amplo rótulo de reggaeton, fazem as melhores experimentações musicais da América Latina atual. Residente e Visitante são porto-riquenhos, criados na ilha e cantam num espanhol típico de lá, trocando erres pelos eles e com muitas expressões em inglês.
O vocalista é Residente, que, além de ter formação em artes, mestrado em cinema, e ser um G.O.S.T.O.S.O., ainda é o letrista mais sensacional dos últimos tempos. Visitante, que tem formação em piano e domina outros instrumentos, é responsável pela parte musical. Diz procurar, antes de mais nada, experimentar, „tripear“ (= trip) com ritmos que muitas vezes „nem são considerados música“, como o próprio reggaeton e a cumbia. O leque de misturas do Calle 13 é bem amplo, abrangendo salsa, samba, bachata, vallenato, reggae, hip hop, rock, tango, música árabe, flamenco e mais loucuras.
Fui gostando aos poucos da banda, já que sempre os escutava em festas ou pelas ruas da Venezuela e da Colômbia. Têm um som agradável, desses que grudam sem melar na lembrança, bem reggaeton, mas com leves influências de coisas variadas. Lembra Manu Chao no sentido de ser uma levada assim, plural, que transita harmonicamente por vários tipos de ritmo. Percebe-se logo de cara que não são um grupinho de reggaeton qualquer, desses que abundam como praga pelo Caribe. Os caras têm informação musical, bagagem cultural, não só por conta das experimentações, mas também por causa das letras. Residente é engraçado, debochado e ácido em suas viagens pela urbanidade, num mundo globalizado e multicultural. Trata de temas totalmente díspares de uma forma coesa, conta realmente uma história a cada canção. Epopéias sem pé nem cabeça, inspirações vindas de um cotidiano óbvio de tão absurdo. Fala de amor de um jeito poético, sem ser necessariamente romântico. Usa metáforas que despertam a curiosidade de quem ouve, que quer saber "de onde esse cara foi tirar essas rimas tão criativas". É politicamente incorreto ao extremo, não tem medo de dizer, por exemplo, que palestinos explodem. Sabe rimar sobre sexo de uma maneira suja e muito inteligente, baixaria hardcore de primeira qualidade. Tem o dom do flow e suponho que mande muito bem no freestyle. Perdi por um dia o show deles em Buenos Aires, teria valido a pena trocar a passagem para vê-los ao vivo...
Nunca fui muito de prestar atenção em letras, em qualquer idioma; parece que me tiram a concentração do que mais gosto de fazer, que é justamente dançar ao som das músicas. Com o Calle 13 é diferente, preciso deixar de lado tudo o que estou fazendo para prestar atenção no que Residente diz. Morro de dar risada, invariavelmente. E não canso de me supreender com a sagacidade, o senso de humor, a genialidade, a inteligência dos caras.
O site da banda - www.lacalle13.com - é muito bem-feito, inna graffiti style (parece até que foi o mello quem bolou a parada). O álbum de fotos dos caras tem imagens da Ciudad Perdida, na Colômbia, que visitei em junho passado. Mágico o lugar, quase inabitado, esparsamente visitado, o que é um luxo, além dos índios coguis, leendos!, que te acompanham para cima e para baixo, ao longo do caminho...
Vale ler também a biografia, é mais precisa do que eu na descrição dos objetivos musicais-artísticos dos caras.
Vídeo de "Atrévete"
Vídeo de "Se vale to'"
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