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quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Locômbia










Tio Mario,

Demorei em responder seu e-mail sobre a Colômbia, mas agora escrevo com a calma e o distanciamento necessários. Sabe-se muito pouco sobre o país, todo mundo me dizia "por que a Colômbia?", mas depois de haver estado lá, me pergunto como não fui antes. Senti vontade de ir por ser o cenário dos livros de García Márquez. Um país capaz de inspirar tão maravilhosas histórias deveria ser, de alguma maneira, singular, fantástico, e certamente muito mais complexo do que estereótipos preconceituosos me permitiriam entender.

Foi indescritível avistar pela primeira vez a legendária Cartagena de Índias, "La Heróica", cidade de nome lindo e exótico, princesa entre as mais belas cidades da América do Sul. Princesa porque intensamente cobiçada por piratas, indígenas e colonizadores espanhóis, que, com o intuito de protegê-la, construíram enormes muralhas ao redor de uma península natural e geograficamente perfeita, e que resistem firme atá hoje, preservando uma arquitetura colonial praticamente intocada há quatro séculos.

A visão de Cartagena, de fora das muralhas, diante do Portal del Reloj, é de sonho. A cidade simplesmente reluz, como uma jóia sob o céu de azul intenso e sem nuvens. O ar quente do Caribe entorpece a visão, mas realça a beleza de seus pátios e casarões, das torres de suas igrejas, de suas plazas, bem guardados por muros rosados, e que disputam entre si as atenções dos turistas. Cartagena é única por suas cores intensas, pela força de seu magnetismo, pela sensualidade de seus habitantes. No Caribe a vida tem outro ritmo, o cotidiano se desenrola ao som de muita música, carros buzinando, de gente gritando, vendendo, conversando, rindo, enfim, vivendo como se não houvesse amanhã.

Também nutria imensa curiosidade sobre Medellín, a querida Medallo, atual motor econômico da Colômbia e cidade das artes, que foi, durante os anos 90 ("Metrallo"), mais ou menos o que Bagdá é agora, para os noticiários, nos anos 2000. Longe de como imaginava, constatei que Medellín é uma cidade de respeito, modelo em termos de administração e segurança publica, e não mais o caos deflagrado pelo poder quase sem limites de Pablo Escobar (Que personagem, o cara. Saiu do nada e se converteu em um dos mais homens mais ricos do mundo. Distribuía casas e casas aos mais pobres de Medellín. Ofereceu-se para pagar, sozinho, toda a divida externa da Colômbia. Dizia preferir uma tumba em seu país que uma prisão nos EEUU). Trabalhadores, austeros e levemente arrogantes (diz-se deles que têm pretensões separatistas) os paisas, como são chamados, orgulham-se de ter o único metrô do país, por sinal moderníssimo, com direito a bondinhos como os do Pão de Açúcar (na verdade cabines paraaté duas pessoas), que parecem conduzir ao alto dos Andes, mas que na verdade levam aos barrios mais afastados da cidade.

Medellín é a capital do tango fora da Argentina. Tive a sorte de visitar a cidade durante seu Festival Internacional, e me maravilhei com pessoas de todas as classes sociais e idades, dançando apaixonadamente ao som de uma orquestra de tango, exibindo-se com orgulho (e talvez afirmando secretamente, "não danço salsa, nem cumbia, e sim tango!"). Mais tarde me lembrei de que Carlos Gardel morreu em um acidente aéreo, voltando para a Argentina justamente de Medellín.

A cidade deu, sim, um enorme salto quantitativo em termos de controle da criminalidade, nos últimos 20 anos. Um bom livro para entender o que foi a cidade nos anos 90 é "Rosario Tijeras", que saiu há pouco no Brasil. Li de uma tacada em uma viagem de ônibus.

E claro, Santa Fé de Bogotá (os nomes são lindos de morrer!), que me surpreendeu de cara pela altitude (2600m) e pelo frio (14°). Subir as ladeiras da Candelária nos primeiros dias exige fôlego de atleta boliviano, mas aos poucos o organismo vai se ajustando. Em um só dia é possível vivenciar todas as estações do ano. O céu pode amanhecer nublado, para logo mais abrir com sol forte, e ao final da tarde cair um aguaceiro. A cidade vive uma espécie de inverno constante, já que a temperatura varia pouco, devido à proximidade da linha do Equador.

Bogotá é muitíssimo bem organizada. Tanto, que chega a confundir uma brasiliense, mais acostumada com números do que nomes em endereços. Ruas que correm paralelas ao cerro Monserrate, ou seja, no sentido norte-sul, chamam-se carreras, e as perpendiculares, que vão de leste a oeste, são as calles, todas numeradas. Tudo muito simples, não fosse pela confusão inevitável causada pelo uso freqüente de pontos cardeais para se orientar, muito usual para eles, mas complicadíssimo para nós: "Siga rumo ao sul e quando chegar à esquina vá em direção ao leste". É mole?

Bogotá tem áreas curiosas, como a do baixo meretrício, que se estende por vários quarteirões e funciona a todo vapor em plena luz do dia, bem no centro, e uma esquina de mariachi 24 horas, que circulam a espera de montar, aos bandos, em caminhonetas que os levem a alegrar pedidos de casamento, namoro e reconciliações.

Colombianos são trabalhadores natos, praticamente incansáveis (chegam, sim a cansar a gente, às vezes, com tanta eficiência). Tudo é "a la orden", nem bem vêem alguém se aproximando e já tentam empurrar todo tipo de produto: comidas e bebidas feitas na rua, calças jeans de todos os modelos, artesanato belíssimo, as inacreditáveis "llamadas" (pessoas oferecem celulares para os transeuntes fazerem telefonemas), água vendida em bolsas de plástico (um pouco estranho a princípio, mas funcionais e bem mais baratas que engarrafadas), tocadores de mp3 que já deixam de funcionar na primeira esquina, livros (literatura!) pirateados, passagens de ônibus para sabe-se lá onde, dólares falsos, roupa íntima colombiana, CDs e filmes ainda nem lançados, cacarecos velhos e inúteis em embalagem de fábrica. Incrível constatar como a malandragem por lá é exercida de maneira elegante e muito profissional. Você dificilmente vai deixar de cair em algum truque. Coisa de deixar carioca no chinelo.

Da costa caribenha, passando pelas três cordilheiras que cortam o país e descendo rumo a Cali, cidade com a maior concentração de salseros do país, os colombianos dançam, celebram a vida, tomam rum e sabem se divertir como poucos no continente. São hospitaleiros, simpáticos, prestativos, amáveis... além de serem educadíssimos, politizados - quer saber sobre a história política recente do país, basta tomar um táxi - têm grande senso de humor, falam um espanhol impecável, considerado pelos próprios hispânicos como o melhor das Américas. Vá a qualquer lugar, por mais remoto que seja, no país, e deixe-se mimar pela gentileza das pessoas (especialmente se teve alguma experiência prévia na Venezuela). Tudo isso com um adendo: independe de classe social. Algo notável e surpreendente, no que diz respeito a uma América Latina de mentalidade predominantemente terceiro-mundista.

Creio que podemos nos sentir privilegiados porconhecer um lugar tão belo, divertido e intenso, a uma só vez mágico e real. A Colômbia é, definitivamente, o segredo mais bem guardado da América do Sul.

Fotos, em ordem: cartazes políticos, centro de Medellín, vista de Bogotá e rua de Cartagena.

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