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quarta-feira, 24 de março de 2010

Estrangeiro em terra própria

Nem quando eu tiver 90 anos eu vou deixar de, por vezes, me sentir uma alienígena na Terra.
A rotina da realidade é o que nos faz seguir movendo a roda da vida, como hamsters, que passam o dia ali, correndo sem refletir.
Mas homens não são hamsters, e, ainda que não interrompamos o movimento da roda, não podemos deixar de pensar por ao menos um segundo em que rumo damos à nossa vida.
De um golpe, se deixamos de mover a roda, a dúvida surge: o que eu estou fazendo aqui? Como vim parar nessa vida, nesse lugar, convivendo com essas pessoas, trabalhando disto ou daquilo, estudando pra ser isso, vivendo de maneira alternativa, não fazendo nada, ou sem saber o que fazer da vida?
Uma conversa com um amigo angustiado me fez parar a roda e questionar. Atualmente estou apaixonada. É um momento muito feliz. Mas, para nossa surpresa, nem eu, nem esse meu amigo, que também está em um relacionamento feliz, nos livramos de sentir, por vezes, que não integramos nenhum grupo, que ninguém fala nossa língua e que somos estrangeiros em nossas próprias vidas (palavras dele mesmo). E não tem amor, nem carinho e muito menos sentimento de proteção que deem jeito.
Escutando-o sem deixar de correr na minha roda, receitei-lhe um bom chá de realidade. Vai fazer o que todo mundo faz, arrume tarefas cotidianas e comuns para desempenhar, eu disse. Mas ele, bom argumentador como todo insatisfeito, me respondeu que essa rotina invisível ,“de todo dia e de todo mundo” é como uma droga que bloqueia a entrada para nossa essência mais profunda, individual, inquieta e filosofante. Uma atmosfera tão densa que, às vezes, se conseguimos tal proeza –o que de fato é, conseguir enxergar dentro da própria alma- pode custar, e doer bastante, voltar ao mundo real.
Resumidamente, ele e eu sofremos sinceramente porque nos sentimos demasiadamente sensíveis e perdidos em meio a uma sociedade que exige cada vez mais: ter sucesso profissional, ser inteligente, simpático, bonito, bom de cama e manter-se sempre jovem, casar por amor, participar ativamente da criação dos filhos e poder dar a eles de tudo, ter um milhão de amigos, uma família feliz, comprar um bom carro, uma boa casa, viajar de férias todo ano, momomomomomomo... Tudo isso sem parar de mover a tal rodinha do hamster e se perguntar se escolhemos livremente o que fazer com nossas vidas.
Daí, por consolo ou desespero, me lembrei da avó de outro amigo que se suicidou pulando da ponte aos 85 anos, e tive a sensação que ainda não vi nada.

4 comentários:

confrontosoundsystem disse...

ui.
a eterna insatisfação...e o ter que...

texto deu uma pontadinha no corazon.

como disse a pat, que bom que vc voltou.

saudade de tu nega.
saudade brasileira.
beijos.

Unknown disse...

vamos correr na roda bem rapido, pra ver se ela estraga e a gente vive livre. que venha logo 2012 e acabe logo com essa porra toda. em 2013 vamos estar no meio dos escombros comendo um churrasco de pombo e fumando uma bomba. prontofalei

Anônimo disse...

Ceci, foi demais esse texto. Rolando uma super identificação por aqui. Beijo e saudade!

Lu

Pat disse...

Não, a gente não escolhe livremente o que fazer da vida. Nasce com um cordão umbilical, acha que corta e anos de análise depois acaba descobrindo que tudo é culpa da mãe. Ai, ai.
Alguns poucos corajosos (vc pra mim) parece que o fazem. E a gente de longe fica admirando. E eles de perto se perguntam de tempos em tempos "não seria melhor enquadrar"?
Já pensei um bocado sobre isso e sinto que não vou chegar neste lugar onde não sou estrangeira de mim. Mas é bom sentir que a idade parece me trazer cada vez mais perto.
Aos 85, nada de pontes. Espero pintar meus cachos brancos de violeta e dar bom dia aos jovens que correm no parque, fazê-los rir de mim e para mim, tanto faz.